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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

DIÁLOGO DE EX-COMBATENTES...

... CURVADOS À MEMÓRIA DUM CAMARADA QUE MUDOU DE ESPAÇO

Em memória e homenagem ao Cor. e ex-Capitão João Carlos Miranda Ventura das Neves Barata, o nosso "Comandante" Barata.
R.I.P.
ARTUR VICENTE " Por considerar oportuno, vou registar, aqui, uma passagem que tive com ele em cenário de guerra. Fomos a uma base In, não me lembro agora da data, sei que foi no tempo seco. Não me lembro se tu, Branquinho, tb fizeste parte, com os "teus G.ES". Não havia água. Sempre tive grande resistência à sede. O CMDT Barata estava com dificuldade, devido à sede. Dava-lhe água do meu cantil, ( a dose era uma tampa cheia, de cada vez), para ir molhando os lábios. E assim foi resistindo até final. Não sei se estiveste presente e ou se ouviste falar.
Só para avaliares o sofrimento de toda aquela gente, foram evacuados de helicóptero, vários homens, devido à desidratação. Situações difíceis, que nos vêm ao pensamento, todos os dias. Em fila indiana ao chegarmos ao aldeamento do Sitate, houve um soldado, que desatou a correr, para ir à procura de quem lhe desse água. Abraço Branquinho."
Caro companheiro e amigo Artur Vicente. Mesmo, de há algum tempo a esta parte, não me sentir, intimamente, confortável em relembrar episódios daquela guerra com barbas brancas, atendendo ao momento em que recordamos um Homem que ombreou connosco, nas veredas de capim e que trilhou as mesmas picadas, vou responder-te e sacar do cantinho da memória passagens daquela caminhada de verdes anos que resistiram à inclemente borracha do tempo.
Nessa Op que referes, não me lembro de ter participado, pelo pormenor de ter metido helicópteros e eu ter ainda bem presente as três únicas situações a que a eles recorri e que não contempla essa que descreves.
Contigo, ainda eu estava no 14, lembro-me duma perseguição que empreendemos a um grupo In que acabara de emboscar uma força autotransportada, salvo erro de Bilibiza, entre Ancuabe e Moja, em finais de 1970. E recordo-a, mais pelo caricato duma situação. Depois de algumas horas de marcha, seguindo um trilho deixado pelos atacantes, deparámo-nos com uma dezena de palhotas. Fizemos o cerco e quisemos antecipar a incursão no acampamento com uma bazucada. A bazuca, penso que herdada da 2ª Grande Guerra, era composta por dois largos tubos, do tipo do das águas da EPAl . O apontador tentou o disparo e aquele monte de ferros, nem um "clic" fez. Constatámos, depois, que o acampamento já estava deserto.
Com o "Comandante Barata", embora, já nos G.E., tenha feito algumas (poucas) Ops conjuntas, pois, por norma, operávamos sós, não me recordo dele ter participado. Fiz, sim, ainda em finais de 1970, duas ou três acções com ele, nas imediações do Rio Montepuez.
Uma delas, com objectivo de alcançarmos o Destacamento "António Enes" (dependente da Base Manica), que um milícia localizava no Monte Marrata, junto ao Rio, tenho-a bem presente. Chegámos ao anoitecer às imediações do monte. Pernoitámos a uns 300 metros do objectivo, para avançarmos de madrugada, assim que um galo do mato cantasse ( ;) ). Cerca da meia noite, o In lançou um very Ligt que fez do escuro dia, à nossa volta. Tinham-nos detectado, apesar dos cuidados e do silêncio que observávamos. O milícia, o que conhecia o objectivo e era o guia, abeirou-se de mim, que sabia ser o único que lhe perceberia algumas palavras macuas e apontando para um soldado, dizia-me "uchapa, uchapa"! Traduzindo, o militar assustou-se com o brilho do very light e havia largado uns suspiros traseiros.
Assim que surgiu a primeira luz, avançámos em formação de batida em direcção ao monte, onde só encontrámos as barracas de capim e um ou outro objecto sem interesse, abandonados na fuga do In.
Encetámos a perseguição e, como eu conhecia a zona de Ops anteriores, ia à frente, com o tal milícia. Ao afastar o capim alto, já junto ao Montepuez, cortei-me num dedo que sangrou abundantemente e onde o cola-adesivos me colocou um penso.
O "Comandante Barata" aproveitou para comunicar com o Cmdt Pardal que já havia inquirido antes pelo desenrolar da Op e, num tom irónico, enquanto me olhava para o dedo, informou o Comando que o único ferido era o Branquinho,e sorria discretamente.
Criámos, a partir dessas OP, alguma cumplicidade e amizade que se fortaleceu quando, a seguir, fui comandar o G.E. 201, estacionado em Muaguide, onde ele comandava a Companhia.
O que mais tenho presente dele, era a preocupação latente com o pessoal que comandava e que dizia querer devolver às famílias de corpo inteiro.
Abraço, companheiro Vicente.
R.I.P. COMANDANTE BARATA!