Estávamos no início dos anos cinquenta. Os meios de Saúde eram muito escassos no País e com mais acuidade nas regiões do Interior.
Naquela aldeia vouzelense, a da minha origem, a minha saudosa mãe estava muito mal. Eu teria 6 ou 7 anitos e, durante dois dias, ia ouvindo, na surdina do corredor que dava acesso ao quarto onde ela era assistida, que "seria um milagre salvá-la", pois havia perdido muito sangue.
Lembro-me que ia chorando e rezando pelos cantos do casarão, em inocentes apelos ao Deus do Mundo, para que a minha mãe recuperasse.
Ao segundo dia de aflição, enquanto o Doutor Simões procedia a transfusões de sangue, numa derradeira tentativa de a salvar, uma tia insistia comigo para que fosse comer alguma coisa, pois estava num jejum de dois dias, por recusar qualquer alimento.
No corredor, junto à porta do quarto, respondi-lhe, em desespero, que só comeria quando a minha mãe estivesse curada. A minha resposta foi ouvida pelo Doutor que vinha a sair e que, recuando uns passos, me colocou uma mão na nuca e me disse com a voz embargada:
- Vai comer, que a tua maezinha está salva!
Esta frase cresceu comigo e já meia dúzia de pêlos me despontavam no bigode insólito, quando me cruzava com o Doutro Simões pelas ruas de Vouzela, não era um médico que via, mas um salvador, que me inspirava respeito e alguma devoção.
E, porque é público, entre os lafonenses que este meu episódio intimista se replicou, durante anos, em muitos lares e unidades de saúde lafonenses, é justo que reconheça que toda a minha admiração e gratidão eternas por este Grande Homem e Grande Médico é, afinal, abrangente a toda a Sociedade Lafonense que nunca o esquecerá.
Por mim, o ter coragem de relatar algo muito meu, muito pessoal e que me acompanhou durante décadas, é, só por si, o meu preito de homenagem na despedida sentida que faço a um grande vulto, uma Alma Grande de Vouzela!|
Obrigado, Doutor Simões. Repouse na Paz que soube merecer!