Carta aberta de Cristina Miranda a Mariana Mortágua
“Cara Mariana, no seguimento à sua brilhante frase “Temos de perder a vergonha e ir buscar dinheiro a quem está a acumular dinheiro”, permita-me a minha revolta nestas palavras que lhe dirijo: Esta sou eu com 16 anos no meu 1º trabalho, nas férias do Liceu (não, não é photoshop nem posei para a fotografia, estava mesmo a trabalhar!). Ganhei o meu 1º salário, 30 contos, como operadora de empilhador numa bloqueira. Aos 17, já carregava camiões, com chuva e pó nas ventas ao volante de 1 máquina de maior porte. Com 6h de trabalho intenso, onde por vezes era preciso montar paletes (de blocos de cimento), seguia pra escola.
Aos 18 já era independente e pagava as minhas contas. Ingressei no ensino superior. Dava aulas durante o dia todo e seguia para o Porto, estudar à noite. Formei-me a pagar meus próprios estudos como trabalhador estudante. Comprei aos 23 anos meu 1º carro sozinha (1 super cinco em 2ª mão). Aos 28 anos construí 1 casa com empréstimo bancário que paguei durante 15 anos. Aos 35, tinha já 1 poupança de alguns milhares. Ao longo dos meus 50 anos, já fiquei sem emprego mas nunca sem trabalho.
Só estive 4 meses no fundo de desemprego, para logo de seguida empreender. Quando estive grávida deixei perplexa a funcionária da segurança social perante minha ignorância e não ter, por isso, requerido subsídio. É que meus pais ensinaram-me a trabalhar, não a viver à custa do Estado. Não desenvolvi essa habilidade. Porque apesar de não ter dividido como o meu pai, 1 sardinha por três, cresci sem saber o que era abundância. A dar valor a tudo o que se tinha. A lutar. A fazer reservas para o futuro.
Emigrados no Canadá, e porque era preciso “acumular dinheiro”, não tenho 1 lembrança, em criança, de 1 passeio com meus pais, de 1 almoço fora, de 1 férias… Os brinquedos, ainda hoje consigo lembrá-los todos. As roupas e calçado, só quando eram mesmo precisos. Vivi em casas modestas dormindo na sala. Porque era preciso “acumular dinheiro”, aos 5 anos tive de aprender a tomar conta de mim sozinha (ter babysitter é prós fracos). Porque meu pai , acampado nos bosques onde cortava pinheiros, só vinha ao fim semana. Minha mãe, tinha 2 empregos (era contínua e fazia limpezas), só a via à hora de almoço porque saía às 5h e chegava sempre pelas 24h. Cresci sozinha porque era preciso trabalhar arduamente para “acumular dinheiro”. Porque o meu pai não assaltou bancos. O que tinha era mesmo dele. Saiu-lhe do corpo.
Por isso, vocês é que deveriam ter VERGONHA. Porque é preciso ser-se muito NULO para não saber governar sem sacar a quem faz pela vida. Criar grupos de trabalho de como assaltar as poupanças e património, em vez de procurar estimular e incentivar a economia. Porque de facto, já não pagamos impostos suficientes. Saiba que os “acumuladores de dinheiro deste país, trabalharam arduamente para o ter. Sejam grandes ou pequenos acumuladores de dinheiro”, TODOS começaram de baixo (excluo aqui, como é óbvio, os criminosos assaltantes de bancos, de património, traficantes). E consoante as suas aspirações, uns apostaram mais alto, outros menos, mas todos contribuindo para o enriquecimento da Nação.
E é graças a eles TODOS que a Mariana, sem mérito algum, pousa o seu rabito no Parlamento. Porque não fossem eles, não haveria salário para nenhum de vós, que a bem dizer, é um desperdício. O país não precisa de parasitas que estudam meios para conseguir roubar mais a quem os sustenta. Precisa sim de gente como nós, mais ou menos “abastados” que produz, que investe, que cria postos de trabalho.
Por isso, cada vez que estiver nessas reuniões de “trabalho” sinta vergonha por mais 1 assalto à classe dos “abastados” (classe média) em vez de começar por tributar o património dos partidos políticos onde se inclui o vosso palacete ocupado à força depois da revolução; por ter chumbado o decreto sobre enriquecimento ilícito; por ter permitido as subvenções vitalícias; por fazer vista grossa à corrupção existente no sector financeiro e organismos públicos; por proteger a classe que nos rouba e empobrece: a vossa.”