Iniciar

Para iniciar esta Página, faça um clic na foto.
Navegue....e mergulhe, está num rio de águas límpidas!

sexta-feira, 3 de abril de 2015

PÁSCOAS DA MEMÓRIA

 Por aquele tempo, na aldeia onde nasci, perdida entre os pinhais e os vastos horizontes das serranias, pontuavam três "cultos". O da Igreja e os, mais profanos e terrenos, dos comboios a vapor e, ainda, num estertor anunciado, o dos Minérios, na ressaca dum período áureo, que, por paradoxo, a última Guerra havia propiciado.
 Para os infantes, dos sete aos dez anos, na idade do pião, dos berlindes, dos ninhos, da bola de trapos e dos joelhos esfolados, a época Pascal era, conjugada com as férias escolares, um período de folguedos e de alegria aromatizada pelos odores da Primavera em flor.
 Voa-me a lembrança para os dias que antecediam o Domingo de Páscoa. Era o tempo da "reza", um passatempo em que os pares eram sorteados e consistia em cada um, sempre que avistava o "consorte" do jogo, lhe ditar a "reza", em alta voz! Tinha um peculiar pormenor, que consistia em que a "reza" só era válida em campo aberto, sem cobertura, o que, não poucas vezes, para salvaguarda do "castigo", a imaginação infantil,  impelia ao cuidado de transportarem um pedaço de telha num bolso dos calções, que levavam até ao cocuruto,  sempre que pressentiam o seu competidor por perto.
 No Domingo de Páscoa, tudo estava consumado. Dos dois, pagava as amêndoas, o que ficasse com a "reza" do seu par!
  E, são também as amêndoas que me trazem à lembrança de como, por instinto natural, ainda pouco refreado pelas lições da vida, as crianças já transportam nos genes o espírito de competição.
 A visita pascal, em que o Pároco, o Sacristão e um ou outro paroquiano, percorriam toda a Freguesia, levando, de casa em casa, o Crucifixo e a bênção cristã, era o evento mais apreciado pela pequenada daquela terra lafonense.
 Em grupos numerosos, que os tempos ainda  eram de farta procriação, seguiam a santa embaixada, que se ia fazendo anunciar por uma metálica e alegre sineta,  até à entrada das habitações, atapetadas por rosmaninho.
 À saída de quase todas elas, o Padre António, em passo apressado, que tão curto era o dia para a bênção de tantos lares, com uma mão cheia de amêndoas que retirava dos bolsos largos da batina preta, lançava-as pela calçada, num gesto de lavrador espalhando as sementes por terra lavrada.
 - Tenho duas; - tenho três; - tenho cinco..., exclamavam os Zés, os Manueis, os Antónios, os Franciscos e não sei mais quantos putos reguilas e gabarolas, enquanto se continuavam a acotovelar e a esfolarem  os joelhos nas areias do granito.
  Já tarde, quando o sol se ia recolhendo, para lá das terras onde nunca  haviam ido, era chegada a hora de encontrar o vencedor.
  - Apanhei vinte; - Eu tenho trinta; - São quarenta; São...
 Vitoriado o campeão, era chegada a hora dos prazeres do açúcar que, até ao escrutínio final, as amêndoas eram troféus valiosos, intocáveis, com valor similar aos berlindes ganhos, à quantidade de nicas assestadas no pião do competidor, ou à quantidade de ninhos descobertos nas abundantes árvores dos quintais e hortas.
  Tempos de outrora, de que, a inclemência dos anos, nos foi apartando e que emergem à tona da lembrança nestas quadras onde se celebra Cristo, a Paz, mas, também, a vivência das Gentes desta terra de Santa Maria!

Uma Santa Páscoa, para todos vós!