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Navegue....e mergulhe, está num rio de águas límpidas!
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domingo, 11 de abril de 2010
A nêspera e o magnório
Decorria quente aquele Verão de 1975.
Nas ruas de Lisboa, sucediam-se as manifestações políticas. Ecoavam as palavras de ordem, os megafones ganhavam estatuto de utensílio do quotidiano.
Acalorados eram, também, os debates na Assembleia, ali a S. Bento, onde se discutiam, num irrequieto ambiente, os contornos da nova Constituição.
Eram o ano de brasa, de disputas, de intrigas, de frenesim, de cartazes, slogans e alguma confusão.
O largo do Calvário, a Alcântara, era o local de convívio, sempre que as pausas do trabalho o permitiam, de alguns companheiros do meu ofício.
Três deles, oriundos das regiões a norte do Douro, desafiaram-me para um "petisco de magnórios", que teriam na residência comum, à Rua das Francesinhas, nas imediações do Palácio de São Bento.
Era habitual que um deles, o de Famalicão, sempre que regressava de mais uma visita à família, fazer-se acompanhar de umas garrafas de verde "Tâmega", com que brindava com os amigos mais chegados. Outro, das imediações do Porto, era, por norma, portador duns enchidos e rojões, tudo pasto das petiscadas ("Trainadas", como ele as denominava) do grupo habitual.
Foi dele o convite para os magnórios. E lá fui, petisqueiro interessado, convencido de que iria ao encontro dum lanche de mais uma iguaria nortenha.
Após uma caminhada de meia hora, chegámos à moradia e estranhei que os três passassem, de imediato, para o quintal interior, um espaço típico dos bairros mais antigos da capital e de onde sobressaía uma nespereira ramalhuda, em que pontuavam pequenos frutos amarelados.
Vi-os saltar, como felinos adestrados, de ramo em ramo....e fui esperando, impaciente, que chegasse a hora do prometido petisco.
- Não sobes? Olha que os magnórios não vão aí ter contigo!
Estranhei o reparo de um deles, ao mesmo tempo que pressentia haver algo de errado nas minhas expectativas gastronómicas.
- Mas...isso são nêsperas! - arrisquei, com algum enfado.
- Nêsperas? Vai pedir as nêsperas às vendedeiras do Mercado do Bolhão e verás o que te acontece. Levas com os tamancos nos costados que só paras na Praça da Batalha! - respondeu-me o portista, por entre sonoras gargalhadas!
E entendi o logro em que caíra. Não tinham sido mesmo aqueles "magnórios" que me mereceram o sacrifício de tão longa caminhada pelas ruelas da cidade!
Pior, não tive como disfarçar a minha ignorância quanto à designação que os meus companheiros davam àquela fruta.
Regressei ao Calvário, ainda a salivar por algo mais substancial que aqueles frutos e acabei a noite a vingar-me num dos restaurantes da zona, a degustar um bife suculento e a martirizar-me por conhecer tão mal os usos e costumes do meu país, a que retornara poucos meses antes.
Decididamente, a nêspera do Porto é outra fruta.....