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quarta-feira, 16 de outubro de 2024

CONTO ARQUIVADO (II)

II

 Depois, todos foram dando achegas, em alvoroço: que era velho o leão solitário; entrara, noite dentro, numa aldeia do Lúrio e levara a mamana do Jamisse; mas que andava havia já muito tempo na região, pois saciara a sua sede e fome carniceira em dezasseis vítimas, homens, mulheres e crianças...


- Então porquê só agora vêm dizer-mo?
- Ah, senhor, nosso andava a preparar armadilha, mas aquele garramo não tem bom, não! Tem esperto no cabeça: ginga, ginga, e não deixa apanhar...-, e continuaram todos a descrever as animalescas façanhas da fera.

Pelo que os desventurados negros narravam, não era nada comum o comportamento do bicho. Aqueles métodos manhosos assentavam melhor no leopardo, mas não no leão, um animal feroz mas leal na sua agressividade.

Por tradição nativa, antes da imposição dos aldeamentos, uma família agrupava-se dispondo em círculo as suas palhotas maticadas, cobertas de capim seco e porta de bambu. Surgiam, assim, pela floresta, núcleos habitacionais de quatro, cinco, seis casas, em cujos intervalos brincavam os putos do clã.

E a velha fera, ao que contavam, bacharel em caça, não se fazia rogada: alta noite, abeirava-se mansamente e esgadanhava as unharras na parede frágil da palhota onde se alojavam os catraios da família. E, enquanto os pais dormiam na casa ao lado, a uns escassos dez metros, os miúdos acordavam assustados, gritando pelos “velhos” em desespero. Mas o leão não forçava a entrada. A mãe dos garotos acorria aos gritos aflitivos dos filhos e era recebida pelo leão, de bocarra aberta, que a arrastava, presa nos seus caninos devoradores, para longe, pois o macabro repasto era sempre em recatada sala de micaias, na selva fechada.

Era este o ardiloso estratagema, como já referi, pouco comum no comportamento habitual dos leões, mas utilizado nos casos concretos que o Carlos foi ouvindo com um misto de estupefacção e medo, enquanto coçava a meia dúzia de pêlos que lhe despontavam no queixo esguio.

Que raio! Por aquela é que ele não esperava! Fôra caçador, sim senhores, de pardais descuidados, de melros desaninhados, caídos na sua fisga infantil..., mas qualquer cão rafeiro o fazia fugir, hirto de medo, só pelo ladruçar raivoso, quanto mais uma fera daquelas!...

Mas não era ele o adjunto do posto, aquela gente não viera até ele procurando ajuda?! Não se sentia, pois, no direito de lhes defraudar a expectativa... e eis o Carlos a encher o peito de ar,, a vestir rija pele de valente, enquanto ia vertendo consoladoras promessas de justiça e vingança nos coações condoídos pela perda de familiares.

A seguir, foi vê-lo, qual D. Quixote do Índico, a preparar os seus bravos Sanchos e a escolher as armaduras com que havia de partir os dentes ao assassino.

A caçada ía começar...

- Sanica, chama mais dois cipaios. Traz também a tua Mauser. Vê se o Land-Rover tem gasóleo... e vamos embora!
- Senhor adjunto, o senhor administrador não tem de saber? – lembrou o cabo, em respeitoso reparo.
- Tem, pois é... vai lá dizer-lhe, enquanto eu vou buscar um bom´4e, mas se estiver a dormir deixa o recado à senhora ou ao mainato.

Entretanto, o numeroso grupo corria já em direcção ao povoado. Iam dar a nova e preparar toda a gente para a batida. Conhecedores dos caminhos secretos da mata densa, encurtavam muito os cerca de quarenta quilómetros que, por estrada, os separava do Lúrio.