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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Quando um ilustre republicano....



... sugeriu um Hino sem "armas"!



A propósito do Centenário da República que já se celebra por aí, recuperei do Vouguinha inicial o meu reactivo espanto a um discurso do intelectual republicano Alçada Baptista. Nele, o reconhecido pensador e homem de Letras, que já não está entre nós, defendia que fosse retirado da letra do Hino Nacional o brado "Às armas, às armas!".
Se, ao tempo, ouvi a proposta com alguma preocupação, passados que estão alguns anos, já nem me surpreenderia que aparecesse um qualquer maçónico ou republicano mais empedernido a defender um hino totalmente remodelado, com refrões de rosas, boys, mariposas e outros artifícios mais consentâneos com a realidade que nos vai sendo imposta.

Fora de órbita!
Acabei o último apontamento às voltas com Saramago e a "sua" União Ibérica! Escrevi sobre os símbolos pátrios que, por o serem, merecem atenção e respeito. Sem dispensáveis fanatismos, mas com honra e, sobretudo, sem vergonha ou inculcados temores! Respeitá-los é respeitarmo-nos enquanto concidadãos. Reconheci sempre, sem rebuços, o valor dos intelectuais deste País, na seu exercício de vida de sublimação da mente, na inquietação da luta pelo pensar mais além. O que não impede que questione, muitas vezes, e não concorde outras tantas, com alguns dos seus assomos, tantas vezes, estapafúrdios! Comparo-os, então, com as naves espaciais quando vão além da órbita da Terra: nunca sabemos o que vão encontrar.....o que dali vai sair! Foi, mais recentemente, o Saramago, já havia sido Alçada Baptista, em 1997. E o que, no ensejo, escrevi, já lá vão dez anos, tem plena actualidade. Há valores que são imutáveis e não se esboroam com o inexorável passar dos anos: Ainda se não desvaneceram os ecos do inesperado brado do intelectual Alçada Baptista. O pouco que ficou foi a estupefacção de muito boa gente, ao ouvir dum homem de reconhecida cultura, uma das estrelas cintilantes do nosso espectro intelectual, numa cerimónia em que era suposto serem exaltados os símbolos e valores da Nação, proposta tão desajustada! É verdade que as opiniões pessoais só vinculam quem as defenda e salutar é que se respeite esse direito. Mas, perante uma afirmação daquele jaez, proferida em cerimónia oficial, quem pode ficar imune à crítica? Vou recuar no tempo e passar, directamente, à "questão do Hino", procurar beber um pouco da sua história. A marcha guerreira que, só após a tomada do Poder pelos republicanos, em 1910, veio a ser adoptada como Hino Nacional, foi composta por Alfredo Keil e Lopes de Mendonça, após o Ultimato Inglês de 1890. Sabemos do aproveitamento político que os adversários da Monarquia fizeram deste evento: a marcha soava bem, ficava no ouvido, inspirava coragem revolucionária. Natural foi que o público das revistas (teatro) - então muito em voga - saísse para a rua a cantá-la, após ouvirem os seus acordes no Teatro da Alegria. Foi tal a colagem desta marcha aos ideais republicanos de então que veio a ser proibida pelo poder monárquico, em 1891. Vir, agora, um nobel herdeiro dos pais da 1ª República, anti-monárquicos convictos, censurar a marcha que os seus ideólogos predecessores adoptaram como Hino Nacional logo após o triunfo republicano é, no mínimo, desconcertante. Não creio que um monárquico, por mais fiel que seja à Causa, tivesse a torpe ousadia de o secundar! Cabe aqui um parênteses: visto, com pragmatismo, mesmo a esta distância histórica, o Ultimato Inglês até nem foi tão nefasto para os nossos interesses coloniais de então, se atendermos ao contexto internacional, com muitos países ciosos das nossas possessões africanas.É que o tratado luso-britânico de 11/6/1891 confirmou a nossa soberania sobre extensos territórios que, reconheçamos, por falta de homens, meios e, talvez, vontade, não dominávamos antes. E esse ultimato acabou por ser a mola que fez despoletar o empenhamento pelo efectivo domínio desses territórios. E volta a ser curioso como um facto histórico - o ultimato - que acirrou o ódio das massa contra a Monarquia, a quem acusaram de traição à Pátria, e foi o principal estandarte republicano de agitação popular, num pretenso assomo de portuguesismo colonialista, viesse a ser o embrião do Hino Nacional, hoje símbolo de respeito e união, quando sabemos terem sido os lídimos defensores dos homens da Maçonaria e da Carbonária de então, a apressarem-se, já nos nossos tempos, a defenderem com denodo e a provocarem, com pressa e grosseira precipitação, sem honra, sem glória e sem futuro para os Povos colonizados, a entrega desses territórios, os tais que se integravam no tão badalado Mapa-Cor-de-Rosa! Mais valeria que os primeiros o tivessem feito então e antecipassem, em quase um século, o abraço à Europa que nos estava a ficar tão longe. Além do mais, teriam poupado muito sangue, traumas, suor e lágrimas, a milhares de heróis do mar!... Com este pressuposto, sim, Lopes de Mendonça teria escrito outra letra para a marcha que Alfredo Keil compôs para fim de acto da revista política "Torpeza", em cena no Teatro da Alegria, já lá vão mais de cem anos. Mas, é evidente, sem qualquer ironia, nenhuma destas constatações dá legitimidade, de qualquer natureza, a quem quer que seja, para alterar um facto histórico. Não aceito, ninguém de boa fé o fará, que, ao sabor dos tempos e das marés, se vão substituindo (ou decapitando) estátuas, nomes de ruas, de monumentos, de obras de arte. Os factos históricos, positivos ou negativos, consoante a perspectiva de cada um ou de cada grupo, aconteceram na realidade, são marcas indeléveis no imaginário colectivo de cada nação e deles há ilações a tirar. E é com factos históricos - positivos ou negativos -, que os membros duma Sociedade melhor se esclarecem para as grandes opções do futuro, enquanto interventores nos processos evolutivos. Alterar ou suprimir o Hino Nacional só porque ele faz apelo "às armas" em tempo de paz, como pretendia Alçada Baptista, mais do que um acto gratuito, seria uma afronta à História. Mas, ainda que se aceitassem os argumentos, supostamente, pacifistas do proponente, quem recusará reconhecer que necessitamos de armas, muitas armas, que não as da guerra, mas as económicas, de trabalho, de saber, com perseverança marcharmos contra os "canhões" que são os escolhos, os obstáculos, as lutas económicas, que se nos vão deparando na Europa do nosso destino?! Não é demagogia, é um desafio bem real e actual. É que Alçada Baptista, de quem não descremos do elevado grau de cultura e iluminismo, não se compadecendo com imagens literárias ou não não reconhecendo que somos um povo de poetas, estava a condenar Camões no próprio dia em que lhe foi cometida a missão de o celebrar: o gigante Adamastor seria mesmo, e só, um monstro horrendo que devorava as nossas caravelas? O Velho do Restelo seria apenas, singularmente, aquele velhote rabugento que se postava no areal a praguejar contra a partida das nossas naus? Nada disso, como é óbvio. Alçada Baptista deve ser um homem inteligente, que conhece o valor dos símbolos e das imagens. Pretendeu, com a sua proposta, uma centelha de luz dos projectores televisivos que lhe iluminem o crepúsculo de homem público?! Talvez..... Por mim, mantenho que continuo a sentir-me bem ao ler, ouvir ou cantar toda a letra do nosso Hino e não me envergonho do orgulho que sinto quando onze jovens de equipamento verde-rubro o fazem em uníssono nos campos de futebol, ou quando a pequena Rosa Mota, a nortenha Fernanda Ribeiro, a morena Carla Sacramento, o entoam, com sentidas lágrimas nos olhos, enquanto desfraldam e acenam com a bandeira que sentem sua e de todos nós. Bandeira que, mais do que o Hino, reúne em si séculos de história, pois se o esperançoso verde e o revolucionário vermelho lhe foram atribuídos pelos republicanos, os brasões, os castelos e a esfera armilar em muito os antecederam. E, já agora, correndo o risco de a muitos ter de pedir perdão, aventuro afirmar que mais de 90% dos portugueses com menos de trinta anos não faz uma leitura plena dos símbolos da sua e nossa Bandeira. Não os culpemos. Julguemos antes os complexos que se criaram quanto ao ensino da História nos bancos das nossas escolas. Gerou-se um sentimento de pavor em transmitir os eventos verdadeiros, as fases de glória e crise da Nação, e de tal forma que, tempo houve, em que soava a pecadilho político falar em Pátria! Como se alguém tivesse medo da verdade histórica! Certo é que as matérias de várias disciplinas foram bruscamente alteradas, mesmo a nível universal, pelos acontecimentos que foram ocorrendo de forma célere por todo o Mundo, mas não creio que fosse só essa a razão de tanto trabalho dado aos tipógrafos. É que os "fazedores" de história do nosso país, nos primeiros anos pós-revolucionários, faltaram ao rigor, opinaram de mais e viram-se aflitos quando tiveram de informar e corrigir que, afinal, as maravilhas económicas do Leste, do Sol da Terra, por exemplo, tão profusa e apaixonadamente apregoadas nos compêndios, não passaram duma miragem, dum logro narrativo. Nesse período, estudou-se mais a história de certos países predilectos, por conveniência revolucionária, que a de Portugal. E os tristes resultados vêm depois.....alguns anos depois. É certo, e justo reconhecê-lo, que antes da Revolução de Abril de 1975, mais do que o rigor histórico, o método de os transmitir deixava muito: era o culto da personalidade, em que, passe o exagero, era primordial saber da cor dos olhos duma Infanta ou se este ou aquele rei era bígamo ou beato, do que conhecer o cerne dos acontecimentos e dos ciclos evolutivos. Mas o estudo da História Pátria era exaustivo e, arrisco mesmo, comparativamente, menos tendencioso. Ter-se medo que o Povo conheça profundamente a sua História, é temer a verdade. Quem teme a Verdade?