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sábado, 12 de junho de 2010

Teias de aranha limpas....


.... no Dia de Portugal, pelo desassombrado discurso de António Barreto.

Ainda
não me convenceram.
Para além do esclarecido - mas tardio! - discurso de António Barreto, a quem (suspeito) se deve, em exclusivo, a presença dos ex-combatentes na cerimónia do 10 de Junho, a maioria da classe política que nos vem governando manteve-se à margem do reconhecimento do sacrifício daqueles que a Pátria mandou combater.
Depois de andarem mais de trinta anos a inculcar no espírito dos portugueses o sentimento de que os combatentes de África encarnam o odioso daquela guerra prolongada e dolorosa, a elite política que emergiu do 25-A, está longe - até por estratégia ideológica- de reconhecer que aqueles que combateram o fizeram em nome de Portugal.
Importa saber, em igual plano, se daqui a alguns anos, com outros ventos históricos, se para os militares oram mandados para o Afeganistão, Bósnia, Kosovo e para outros destinos de conflito armado, não vai ser transferido o ferrete de terem participado em guerras injustas.
Tarde, mas António Barreto - que até se eximiu ao cumprimento do dever, e mais insuspeito se qualifica -, soube chegar ao âmago da questão ao vincar, de forma bem veemente, que sendo os Governos a decidirem as guerras (justas ou injustas), os militares cumprem o seu desígnio, mas lutam em nome da Pátria e não de governos ou políticas.
E é dela, da Pátria, que os combatentes se sentem credores do respeito que lhes é devido.
E que, até agora, lhes tem sido regateado!...


Eis o notável discurso de António Barreto (36 anos depois do 25 de Abril!!!!) nas cerimónias do 10 de Junho, em Faro:

O DIA DOS PORTUGUESES ou, oficialmente, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, comemorado em 2010, tem um significado especial. Na verdade, assistimos esta manhã a um desfile das nossas Forças Armadas precedido de uma extensa delegação de Veteranos, de Antigos Combatentes, mais singelamente de combatentes dos exércitos em todas as guerras e conflitos em que Portugal esteve envolvido desde meados do século XX. Ao ver desfilar umas dezenas de antigos combatentes, de todos os teatros de acção militar em que Portugal participou, não sentimos vontade nem necessidade de lhes perguntar pela guerra, pela crença ou pela época. Sentimos apenas obrigação de, pelo reconhecimento, pagar uma dívida. Sentimos orgulho por saber que é a primeira vez na história que tal acontece e que está aberta a via para a eliminação de uma divisão absurda entre Portugueses. Com efeito, é a primeira vez que, sem distinções políticas, se realiza esta homenagem de Portugal aos seus veteranos. Centenas de milhares de soldados portugueses combateram em nome do seu país, do nosso país, desde os inícios do século XX até à actualidade. Já não há sobreviventes do Corpo Expedicionário Português enviado para Flandres, na 1ª Grande Guerra Mundial, nem das forças que, no mesmo conflito, lutaram em África. O último veterano dessa guerra, José Maria Baptista, morreu a 14 de Dezembro de 2002. Depois daquele conflito, as guerras foram, durante décadas, poupadas aos Portugueses. Só a partir de finais dos anos 1950 os soldados e outras forças militarizadas voltaram a encontrar-se em situações de combate aberto, primeiro no então Ultramar português, depois em múltiplos teatros de guerra, em associação com forças armadas dos nossos aliados da NATO e da União Europeia e em missões organizadas sob a égide das Nações Unidas. Independentemente das opiniões de cada um, para o Estado português todos estes soldados foram Combatentes, são hoje Antigos Combatentes ou Veteranos, mas, sobretudo, são iguais. Não há, entre eles, diferenças de género, de missão ou de função. São Veteranos e foram soldados de Portugal. É assim que deve ser. Em Portugal ou no estrangeiro, no Continente ou no Ultramar, na Metrópole ou nas Colónias, as Forças Armadas portuguesas marcaram presença em vários teatros de guerra e em diversas circunstâncias. Militares portugueses lutaram em terra, no mar ou no ar, cumpriram os seus deveres e executaram as suas missões. Em Goa, em Angola, em Moçambique, na Guiné, no Kosovo, em Timor ou no Iraque. Todos fizeram o seu esforço e ofereceram o seu sacrifício, seguindo determinações políticas superiores. As decisões foram, como deve ser, as do Estado português e do poder político do dia. Mas há sempre algo que ultrapassa esse poder. O sacrifício da vida implica algo mais que essa circunstância: é, para além das vicissitudes históricas e dos ciclos de vida política, a permanência do Estado. Os soldados cumprem as suas missões por diversos motivos. Por dever. Por convicção. Por obrigação inescapável. Por desempenho profissional. Por sentido patriótico, político ou moral. Só cada um, em sua consciência, conhece as razões verdadeiras. Mas há sempre um vínculo, invisível seja ele, que o liga aos outros, à comunidade local ou nacional, ao Estado. É sempre em nome dessa comunidade que o soldado combate. Na verdade, em todos os episódios de guerra referidos e noutros mais, há fenómenos de natureza diversa. Houve decisões políticas de carácter exclusivamente nacional, mas também houve actos de colaboração em missões multinacionais, como houve decisões estratégicas colectivas das alianças de que Portugal é membro. Também conhecemos decisões políticas tomadas em vários quadros: com e sem legitimidade democráticas, com e sem referenda parlamentar. E até, finalmente, situações em que o Parlamento fica aquém daquela que deveria ser a sua função. Com efeito, a Constituição e as leis não obrigam, infelizmente, a que as missões no estrangeiro sejam aprovadas pelo Parlamento. Apenas admitem o “acompanhamento do envolvimento” militar no estrangeiro, o que nem sempre é rigorosamente cumprido. A análise destas diferenças pode ser importante do ponto de vista político, histórico e intelectual. Mas, no plano do reconhecimento de um povo, do respeito devido e do esforço do soldado, essas distinções são secundárias ou inúteis. Foram, simplesmente, militares portugueses que tudo deram ou tudo arriscaram. É esse o reconhecimento devido. Um antigo combatente não pode nem deve ser tratado de colonialista, fascista, democrata ou revolucionário de acordo com conveniências ou interesses menores. A sua origem, a sua classe social, a sua etnia, as suas crenças ou a sua forma de vínculo às Forças Armadas são, a este propósito, indiferentes: foram, simplesmente, soldados portugueses. Pelo sacrifício, pela duração e pelas implicações políticas, as guerras do Ultramar foram evidentemente as que mais marcaram as gerações das últimas décadas. Mas, ao longo dos trinta anos de democracia e de compromissos internacionais, muitas centenas ou milhares de cidadãos portugueses estiveram presentes em teatros de guerra e em missões de protecção da paz ou de mediação. Novos sacrifícios foram feitos, vidas foram interrompidas, carreiras e famílias suspensas. Todos esses militares, os de Luanda ou do Líbano, os da Guiné ou da Bósnia, merecem o nosso respeito. São antigos combatentes. São Veteranos. São soldados que cumpriram os seus deveres e que, com excepção dos que tenham moralmente abusado das suas funções, merecem a nossa homenagem. Não há lugar, não deve haver lugar para diferenças entre esses Veteranos. Não há Veteranos melhores ou piores do que outros. Não há Veteranos que mereçam aplauso e Veteranos a quem se reserve o esquecimento. Não há Veteranos ou Antigos Combatentes fascistas ou democráticos, socialistas ou comunistas, reaccionários ou revolucionários. Não há Veteranos de antes ou de depois do 25 de Abril. Não há Antigos Combatentes milicianos ou de carreira ou contratados. Há Veteranos e Antigos Combatentes, ponto final! É o que nós lhes devemos. Nós, todos, os que fizeram ou não, os que concordaram ou não com as guerras, sem distinção de época, de governo ou de cor política. Portugal não trata bem os seus antigos combatentes, sobreviventes, feridos ou mortos. É certo que há, aqui e ali, expressão de gratidão ou respeito, numa unidade, numa autarquia, numa instituição, numa lei ou numa localidade. Mas, em termos gerais e permanentes, o esquecimento ou a indiferença são superiores. Sobretudo por omissão do Estado. Dos aspectos materiais aos familiares, passando pelos espirituais e políticos, o Estado cumpre mal o seu dever de respeito perante aqueles a quem tudo se exigiu. Em cada momento, em cada conflito, houve quem tivesse ideias diferentes e se opusesse à intervenção militar. Uns, mesmo nessas condições, cumpriram as ordens oficiais, outros recusaram-se. Por oportunidade, por convicção política, por uma interpretação diferente do interesse nacional, houve refracção e objecção. Em certos casos, pensava-se que as operações militares não tinham sido referendadas pelo povo soberano ou eram contrárias à ética e ao interesse nacional. Noutros casos, faltava o assentimento parlamentar. Aliás, o acompanhamento parlamentar do envolvimento militar é deficiente, apesar de estatuído pela Constituição. Houve soldados que combateram sob um regime autoritário, outros em regime democrático. Houve soldados que combateram integrados em forças nacionais, outros em forças aliadas ou internacionais. Como houve soldados que, de outras origens étnicas então e tendo hoje nacionalidade diferente, serviram nas Forças Armadas portuguesas. Em 1974, jovens militares decidiram derrubar o regime autoritário e dar uma oportunidade à democracia. Outros tentaram estabelecer um novo regime político que eventualmente limitaria as liberdades. Outros ainda ficaram independentes e equidistantes. Enquanto outros, finalmente, teriam preferido continuar sob o regime anterior. Prefiro os primeiros, os que ajudaram a fundar o Estado democrático. Mas, pelo sacrifício das suas vidas e pelo cumprimento dos seus deveres, respeito-os todos. Qualquer guerra ou envolvimento militar é controverso e suscita opiniões diversas e contraditórias. É assim no Afeganistão ou no Iraque. Foi assim no Ultramar. Como também na Flandres, nas Linhas de Torres ou em Aljubarrota. Essas divergências podem ser legítimas e compreensíveis. Traduzem ideias, interesses, convicções e doutrinas diferentes. Assim como versões diversas do interesse nacional. Mas isso não justifica a ausência de respeito por aqueles que combateram, que correram riscos, que ficaram feridos ou deram a sua vida. As diferenças de opinião e de crença não devem impedir de respeitar todos os que fizeram a guerra, com convicção ou por obediência ao poder político, desde que, evidentemente, o tenham feito sem abuso. Merecem as pensões que lhes são devidas. Merecem atenção e cuidado. Merecem um Dia do Combatente oficialmente estabelecido. Merecem que as suas associações sejam consideradas de utilidade pública. Merecem estar presentes nas cerimónias públicas e oficiais. Mas sobretudo merecem respeito. Os Portugueses são parcos em respeito pelos seus mortos e até o Estado não é muito explícito no cumprimento desse dever. Pois bem: está chegada a altura de eliminar as diferenças entre bons e maus soldados, entre Veteranos de nome e Veteranos anónimos, entre recordados e esquecidos. Pela Pátria ou pelo seu País, pelo Estado ou pela sua profissão, foi pela sua comunidade nacional que todos eles combateram e se sacrificaram. É possível que o comportamento do Estado, a atitude de políticos e os sentimentos de cidadãos para com os militares sejam determinados, em parte, pela avaliação que se faz do modo como deram ou retiraram apoio a certos dirigentes e a certas formas de regime. Não se nega o facto. Mas, perante o antigo combatente, recusa-se o juízo de valor. Aos Veteranos e antigos Combatentes que hoje estiveram connosco pela primeira vez, nada se lhes pede. Nada devem aos seus contemporâneos. Nós é que estamos em dívida para com eles. São o Estado e a sociedade que lhes devem algo. O que lhes pedimos hoje foi muito simples: aceitem a homenagem que o Estado e os Portugueses vos prestaram! Não estamos aqui a festejar a guerra, mas sim os soldados! E não há melhor dia, do que o Dia de Portugal, para o fazer.

Obrigado, António Barreto!
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